Há muitos anos, nos primórdios da televisão, alguém parece ter ditado as regras. Esculpidas em letras garrafais sobre pedras eternas, elas regulam e normatizam a televisão brasileira desde então. Qualquer um que ousar desobedecê-las, terá que enfrentar um castigo. Tudo deve ser sempre igual, do mesmo jeito e no mesmo horário. Essa é uma explicação fantasiosa de um fenômeno que parece cada vez mais enraizado nas nossas emissoras de televisão. O “manual de instruções” invisível faz com que o telespectador tenha uma boa quantidade de canais disponíveis, mas pouca variedade de fato.
Afinal, quem foi que disse que as manhãs devem ser tomadas por produtos voltados ao público feminino? OK, esse parece ser mesmo o principal público que liga a TV pela manhã, o das donas de casa. No entanto, há uma minoria de platéias distintas que poderia muito bem aceitar outras opções. E, ao zapear, tem que escolher entre uma receita de quindão de chocolate, ou uma sensitiva prevendo a morte dos famosos, ou ainda tudo sobre a moda primavera-verão-outono-inverno. Resultado: programas praticamente idênticos, brigando pelo mesmo público, e com audiência tão pulverizada que a maioria deles amarga baixíssimos índices. Afinal, somente Mais Você, na Globo, e Hoje Em Dia" na Record, marcam boa audiência pela manhã. Dia Dia, Manhã Maior e Manhã Gazeta lutam para sair do traço.
Quando não são os femininos, são os infantis. Tudo bem, boa parte das crianças estudam no período da tarde. Mas também existem crianças que estudam pela manhã. E elas ficam à tarde em casa e, ao ligar a TV, precisam optar por telebarracos ou filmes ultrarreprisados. Por que não apostar no público infantil à tarde? Num passado não muito distante, a Record conseguia boa audiência com o programa de Eliana, exibido pela tarde entre 2003 e 2004. Foi à tarde que Xuxa, Angélica e Mara Maravilha ficaram famosas apresentando seus infantis. A versão clássica do Sítio do Picapau Amarelo também ia ao ar pela tarde. E quem não se lembra do Castelo Rá-Tim-Bum e do Disney Club, que faziam barulho à noite?
Ao invés disso, o público vespertino se divide entre as reprises ofertadas em todos os canais. Ou em mais femininos, programas incrivelmente extensos criados para encher o cofrinho das emissoras vendendo câmeras digitais que fotografam, filmam, tocam música, prevêem o tempo, barbeiam, fazem café e ainda sabem de cor os nomes dos 250 pokémons!
À noite, os vícios permanecem. Band, Gazeta e SBT apostam em telejornais no mesmo horário. Os da Globo e Record também concorrem. Ou seja, sai de um e cai no outro. Como a novela das 21h da Globo ainda é líder absoluta no horário mesmo quando vai mal no Ibope, há uma regra implícita nos outros canais de que não é bom apostar no horário. Assim, uma nova regra foi incluída recentemente na “pedra”: botar qualquer coisa e esperar a novela acabar. Foi daí que veio a ideia de se programar enlatados seguidos de programas flexíveis, como o Boletim de Ocorrências, no SBT, ou o Tudo a Ver, na Record. A Band, se realmente dispensar o missionário, virá também com enlatados seguidos do Vídeo News, sempre de olho no final do capítulo da novela. Serão três redes com praticamente a mesma programação no mesmo horário! Aos que fogem da novela e das séries, só resta o RedeTV News.
E as grades irmãs tendem a aumentar. O SBT, vira e mexe, resolve ser diferente e lança sua linha de shows na faixa das 20h. Fez isso em 2007, que durou pouco, e em 2008 (porque a Hebe reclamou...), que foi mais bem-sucedida. Mesmo assim, com o velho sonho de consolidar a teledramaturgia, o SBT Show acaba extinto mais uma vez, e a única opção de variedade no horário acabou. Quem não quer ver Jornal Nacional e Jornal da Record (que são praticamente clones), terá que escolher entre Isa TKM e Uma Rosa com Amor. Sim, ou é jornal ou é novela. Não tem mais variedade, nem talk show, nem nada.
Isso sem falar no final de semana. Deve estar escrito na tal pedra que fim de semana é sinônimo de auditório. Aos sábados, todas as grandes redes investem no gênero, com Caldeirão do Huck, Show da Gente, O Melhor do Brasil, Brothers e Programa Raul Gil. E a programação dominical dispensa comentários. Quem não gosta do gênero não tem alternativa.
Há uma certa preguiça no ar. É como se as regras esculpidas nas pedras há anos ainda prevalecessem, mesmo diante de uma inevitável evolução social. O problema é que todos os canais querem sempre atingir o mesmo público ao mesmo tempo. Sendo assim, temos opção por diferentes canais, mas não temos alternativas, pois o que se vê são os mesmos programas em emissoras distintas. É sempre uma coisa ou outra, num círculo vicioso que impede o espectador de ser livre para fazer suas escolhas. Não por acaso, a TV vem perdendo público para a internet. Grade de programação vai virando coisa do passado.
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